Primeiro
devemos determinar as relações entre a visão de João a respeito dos
"mil anos" e o contexto imediato do Apocalipse, ou seja os capítulos 19 e
21, antes de que possamos compreender o significado do capítulo 20.
Também devemos averiguar que conexões possíveis existem entre Apocalipse
20 e as profecias do Antigo Testamento. Devem responder-se estas
perguntas de exegese antes de estabelecer qualquer opinião dogmática de
Apocalipse 20, uma das passagens mais problemáticas que há na Bíblia. O
enfoque contextual deve preceder sempre o dogmático ao fazer uma exegese
responsável das Sagradas Escrituras.
O Contexto de Apocalipse 19
"Então,
vi descer do céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma grande
corrente. Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo,
Satanás, e o prendeu por mil anos; lançou-o no abismo, fechou-o e pôs
selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se completarem
os mil anos. Depois disto, é necessário que ele seja solto pouco tempo"
(Apoc. 20:1-3).
O
termo "milénio" significa literalmente "mil anos", e o período dos anos
a que se alude como o milénio só se menciona em Apocalipse 20. A
relação desta passagem com a visão precedente de Apocalipse 19:11-21 é
clara e amplamente reconhecida pelos eruditos. A visão do Armagedom de
Apocalipse 19 constitui tanto a expansão final de Apocalipse 16 a 18
como a introdução a Apocalipse 20. Dessa maneira, Apocalipse 19 forma
uma parte essencial da visão do milénio.
Os
inimigos de Cristo do tempo do fim são a besta, os reis da terra com
seus exércitos e o falso profeta (Apoc. 19:19, 20). Na volta de Cristo
como o Rei e Juiz de toda a terra, "Os dois [a besta e o falso profeta]
foram lançados vivos dentro do lago de fogo que arde com enxofre" (v.
20). E "outros", ao parecer "os reis da terra e seus exércitos" (v. 19),
foram mortos pelo impacto da vinda de Cristo (v. 21). Apocalipse 20
revela que Satanás, o génio criador de toda rebelião será "preso",
encerrado e selado por um anjo de Cristo (vs. 1-3). Depois do milénio
será "lançado no lago de fogo e de enxofre, onde já se achavam a besta e
o falso profeta" (v. 10, BJ).
A
continuidade de Apocalipse 19 e 20 chega a ser até mais evidente se se
observar que a sequência na qual são julgados os inimigos de Cristo
acontece em uma ordem inversa à ordem em que aparecem pela primeira vez
no livro do Apocalipse. Em Apocalipse 12 foi primeiro mencionado o
dragão, depois vem a besta e o falso profeta no capítulo 13, e
finalmente Babilónia no capítulo 14. Seu destino final se descreve em
uma sequência oposta: primeiro vem a queda de Babilónia em Apocalipse 16
a 18; depois são destruídos a besta e o falso profeta em Apocalipse 19,
e finalmente, no 20, depois de mil anos, o dragão é executado. Esta
composição literária do surgimento e queda dos principais inimigos de
Cristo manifesta a ordem progressiva de Apocalipse 12 a 20 e sua unidade
estrutural. Estes capítulos mostram um "desenvolvimento magistral" de
pensamento e de tema que avança firmemente para a culminação, a
consumação da guerra cósmica entre o céu e a terra. Dessa maneira, a
progressão avança da queda de Babilónia até o castigo dos agentes de
Satanás, e termina com a eliminação do pecado e do próprio Satanás.
A Sequência Cronológica de Apocalipse 19 e 20
Evidentemente,
os acontecimentos descritos em Apocalipse 19:11-20:10 seguem uma ordem
cronológica. Isto está claro da sequência das visões nas que as aves de
rapina são convidadas a ir à grande ceia de Deus (Apoc. 19:17, 18),
seguida pela visão em que todas as aves "saciaram-se das carnes deles"
(vs. 19-21). Há uma notável progressão de eventos nestas duas visões. A
declaração de Apocalipse 20:10 proporciona a evidência direta da ordem
cronológica das visões de Apocalipse 19 e 20, quer dizer, "o diabo que
os enganava, foi arrojado no lago de fogo e enxofre, onde estavam a
besta e o falso profeta" (20:10). Esta última referência ao juízo da
besta e de seu profeta se descreve em 19:20 como acontecendo antes, na
segunda vinda (19:19).
Outra
indicação de uma sequência cronológica é a observação de que os eventos
descritos em Apocalipse 19:11 a 20:6 são análogos à ordem dos eventos em
Daniel 7. Tanto em Daniel como no Apocalipse o anticristo é consumido
por meio de fogo quando o Messias vem em sua glória do céu (Dan.
7:11-14, 25; Apoc. 19:20). Em ambos os livros, imediatamente depois da
destruição do anticristo, o reino é dado aos santos (Dan. 7:22, 27;
Apoc. 20:4-6).
Portanto, como o
juízo do anticristo na segunda vinda ainda está no futuro, o reino
milenário dos santos que segue à destruição do anticristo também deve
ser futuro. Estamos de acordo com a conclusão do Jack S. Deere: "Dessa
maneira, sobre a base de Daniel 7, é mais natural ler Apocalipse 20:4-6
como parte de uma progressão cronológica em seu contexto mais amplo
(19:11-20:15), do que como uma recapitulação".1 Inclusive o erudito
católico do Novo Testamento, Rudolf Schnackenburg reconheceu que "um
salto atrás ao tempo da parousia em Apocalipse 20:1-3 é altamente
inverossímil".2 Enquanto que reconhecemos o papel geral da recapitulação
na estrutura do Apocalipse como um tudo, a seção de Apocalipse 19:11 a
20:15 apresenta claramente uma ordem lógica e cronológica.
Além
disso, Ezequiel apresenta uma série consecutiva de visões nas quais o
reino messiânico (caps. 36 e 37) é seguido por uma guerra encabeçada por
Gogue de Magogue (caps. 38 e 39). Depois da guerra chega o reino eterno
centralizado em uma Nova Jerusalém (caps. 40-48). George Ladd concluiu
dizendo que "a profecia do Ezequiel tem a mesma estrutura básica que a
de Apocalipse 20".3 O erudito apocalíptico Jeffrey Vogelgesang declarou:
"João [em sua ordem de Apoc. 19:11 a 21:8] segue o modelo do Ezequiel
34 a 48".4 Isto significa que uma análise básica da ordem dos eventos
futuros tal como aparecem em Ezequiel (caps. 37-40) é essencial para um
enfoque correto de Apocalipse 19 a 21. Esta comparação é obrigatória se
se reconhecer que "João, o profeta cristão banido, modelou sua obra
sobre o livro do Ezequiel, o grande profeta do desterro babilônico".5 A
estrutura paralela do Apocalipse com Ezequiel levou a Vogelgesang à
seguinte conclusão: "Esta é uma prova conclusiva de que Daniel utilizou
diretamente a Ezequiel".6
Em
resumo, um estudo do milénio de Apocalipse 20 requer uma análise não só
de seu contexto imediato, mas também do amplo contexto dos livros
proféticos de Israel no Antigo Testamento. Desta dupla perspectiva, o
contexto imediato e o mais amplo, discernimos a intenção de João de
colocar o reino messiânico do milênio depois da segunda vinda de Cristo.
A Visão do Armagedom: O Fim da Humanidade Pecadora
"Vi
o céu aberto, e eis um cavalo branco. O seu cavaleiro se chama Fiel e
Verdadeiro e julga e peleja com justiça. Os seus olhos são chama de
fogo; na sua cabeça, há muitos diademas; tem um nome escrito que ninguém
conhece, senão ele mesmo. Está vestido com um manto tinto de sangue, e o
seu nome se chama o Verbo de Deus; e seguiam-no os exércitos que há no
céu, montando cavalos brancos, com vestiduras de linho finíssimo, branco
e puro. Sai da sua boca uma espada afiada, para com ela ferir as
nações; e ele mesmo as regerá com ceptro de ferro e, pessoalmente, pisa o
lagar do vinho do furor da ira do Deus Todo-Poderoso. Tem no seu manto e
na sua coxa um nome inscrito: REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES"
(Apoc. 19:11-16).
Apocalipse
19 apresenta uma representação muito vívida da vinda de Cristo e da
batalha do Armagedom, antecipada brevemente em Apocalipse 16:13-16 e
17:12-14. Cristo é descrito como o Guerreiro vitorioso que desce do céu
sobre um cavalo de batalha dirigindo um exército imenso de anjos (Apoc.
19:11, 19; cf. Mat. 24:31; 25:31). Como o Messias-Rei (ver Apoc: 5:5),
vem para reclamar este planeta como seu domínio legítimo. Em sua cabeça
há "muitos diademas" (19:12). Nem o dragão com suas sete cabeças (12:3)
nem a besta com seus dez chifres (13:1) receberam a autoridade do
Criador para reinar sobre a humanidade. Cristo volta como o legítimo
"Rei dos reis e Senhor dos senhores" (19:16). Ele sozinho está
autorizado pelo Pai a governar sobre a terra. Ele sozinho executará a
vontade de Deus porque é "o Verbo de Deus" (v. 13), a manifestação da
vontade de Deus para a humanidade. Em quatro descrições simbólicas,
todas tiradas dos profetas, Cristo é descrito como o Rei-Juiz de toda a
terra. A revelação de que o Senhor ressuscitado executará as predições
do juízo hebraico constitui uma mensagem assombrosa.
A. "Está vestido com um manto tinto de sangue" (Ap.19:13).B. "Sai da sua boca uma espada afiada, para com ela ferir as nações" (Ap 19:15).C. "Ele mesmo as regerá com ceptro de ferro" (Ap 19:15).D. "E, pessoalmente, pisa o lagar do vinho do furor da ira do Deus Todo-Poderoso" (Ap 19:15).
Estas
quatro descrições de juízo indicam como se levará a cabo o fim da era
da igreja a justiça retributiva de Deus, tal como aparece em Isaías 11,
34, 63, Joel 3 e Salmo 2.7 João usa as metáforas dos profetas para
expressar o juízo de Deus sobre o Império Babilónico, um juízo que
desdobra a "ira de Deus" na segunda vinda. Apocalipse 19 enfatiza o fim
de toda a vida sobre o planeta.
"Então,
vi um anjo posto em pé no sol, e clamou com grande voz, falando a todas
as aves que voam pelo meio do céu: Vinde, reuni-vos para a grande ceia
de Deus, para que comais carnes de reis, carnes de comandantes, carnes
de poderosos, carnes de cavalos e seus cavaleiros, carnes de todos, quer
livres, quer escravos, tanto pequenos como grandes" (Apoc. 19:17, 18).
O
convite do céu às aves de rapina para assistir à grande ceia de Deus
está em contraste deliberado com o convite anterior: "Bem-aventurados
aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro!" (Apoc. 19:9).
Evidentemente, Deus proporcionará ambos os banquetes: um para Babilónia
por ocasião do Armagedom, e outro para Israel no monte Sião (18:4;
14:1). As ceias representam destinos opostos: o gozo mais elevado do
companheirismo com Cristo no céu e a angústia inexprimível da separação
total de Deus na terra. Esta divisão da humanidade em duas classes foi
apresentada durante o sexto selo (6:15-17; 7:1-7). Em outras palavras,
Deus proporcionará ou vida eterna ou morte eterna. A responsabilidade
iniludível do homem é escolher entre o Cordeiro e a besta, entre Cristo e
o anticristo.
Qual
é o significado de um anjo de Deus "posto em pé no sol" convidando a
todas as aves de rapina "que voam pelo meio do céu" à ceia de Deus?
Sugere uma proclamação universal tão importante como a dos três anjos de
Apocalipse 14:6-12 que também voam "pelo meio do céu". Agora a
convocação celestial se dirige a todos os que fizeram caso omisso do
rogo anterior de Apocalipse 14 e que rechaçaram o convite de Deus para
estar na caia de bodas do Cordeiro. Esta chamada ao Armagedom segue o
antigo estilo oriental de entrar em combate: "Vem a mim, e darei a tua
carne às aves do céu e às bestas-feras do campo (1 Sam. 17:44).
Inclusive Moisés advertiu ao Israel infiel: "O teu cadáver servirá de
pasto a todas as aves dos céus e aos animais da terra; e ninguém haverá
que os espante" (Deut. 28:26). Uma advertência similar se aplica a todos
os que se aliam aos poderes anticristãos.
Entretanto,
a principal raiz hebraica da visão que João teve do juízo de Cristo
sobre o mundo apóstata, é a de Ezequiel 38 e 39. Este profeta descreveu o
assalto de Gogue e de seus aliados sobre o Israel de Deus em seu solo
pátrio no tempo do fim nas seguintes palavras:
"Virás,
pois, do teu lugar, das bandas do Norte, tu e muitos povos contigo,
montados todos a cavalo, grande ajuntamento e exército numeroso; e
subirás contra o meu povo de Israel, como uma nuvem, para cobrir a
terra; no fim dos dias, sucederá que hei de trazer-te contra a minha
terra, para que as nações me conheçam a mim, quando eu me houver
santificado em ti os seus olhos, ó Gogue... Porque disse no meu zelo, no
fogo do meu furor, que, naquele dia, haverá grande tremor sobre a terra
de Israel... Porque chamarei contra Gogue a espada, sobre todos os meus
montes, diz o Senhor JEOVÁ; a espada de cada um se voltará contra seu
irmão. E contenderei com ele por meio da peste e do sangue; e uma chuva
inundante, e grandes pedras de saraiva, fogo e enxofre farei cair sobre
ele, e sobre as suas tropas, e sobre os muitos povos que estiverem com
ele" (Ezeq. 38:15-22, RC).
"Nos
montes de Israel, cairás, tu, e todas as tuas tropas, e os povos que
estão contigo; a toda espécie de aves de rapina e aos animais do campo
eu te darei, para que te devorem" (Ezeq. 39:4, RA).
"Tu,
pois, ó filho do homem, assim diz o Senhor Jeová: Dize às aves de toda
espécie e a todos os animais do campo: Ajuntai-vos, e vinde, vinde de
toda parte para o meu sacrifício, que eu sacrifiquei por vós, sacrifício
grande nos montes de Israel, e comei carne, e bebei sangue...E vos
fartareis, à minha mesa, de cavalos, e de carros, e de valentes, e de
todos os homens de guerra, diz o Senhor Jeová" (Ezeq. 39:17-20, RC).
O
Apocalipse de João estende agora a descrição dos mortos pelo Messias
além da lista de nações que aparecem em Ezequiel 39. No Armagedom, os
abutres se alimentarão com "carne de todos, livres e escravos, pequenos e
grandes" (Apoc. 19:18). João descreve a matança das multidões de
Babilónia, reunidas para fazer guerra contra Deus e seu Messias, como
algo universal e total. O mundo inteiro será um "monte de matança", um
Har Magedon.8 O Apocalipse intencionalmente aumenta o campo de batalha
da predição de Ezequiel a uma escala universal. Finalmente, "todas as
pessoas" sobre a terra estarão envoltas. Chama-se às aves "que voam pelo
meio do céu" para que se fartem da carne de todos os guerreiros que
foram mortos, que lutaram contra o Governante divino.
Muitos
observaram que Apocalipse 19 não descreve uma batalha real entre o céu e
a terra. Como podem seres mortais oferecer resistência contra o
Guerreiro divino quando descer da parte oriental do céu? O Apocalipse
revela que quando se abrir o céu e a terra tremer por causa de um
terremoto universal, o temor paralisará a todo o mundo.
"Os
reis da terra, os grandes, os comandantes, os ricos, os poderosos e
todo escravo e todo livre se esconderam nas cavernas e nos penhascos dos
montes e disseram aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós e
escondei-nos da face daquele que se assenta no trono e da ira do
Cordeiro, porque chegou o grande Dia da ira deles; e quem é que pode
suster-se?" (Apoc. 6:15-17).
Sem
dúvida a impressão é que não sobreviverá nenhum ser humano rebelde
naquele dia. João enfatiza em Apocalipse 19 que "outros" foram mortos
com a espada que saía da boca do que montava o cavalo (v. 21). A
profecia de Daniel da pedra que caiu do céu já expressa que o reino
messiânico esmiuçará a imagem metálica do mundo e converterá a todos os
habitantes em pó: "E o vento os levou, e deles não se viram mais
vestígios" (Dan. 2:35; também os vs. 44, 45).
A Unidade Maior de Apocalipse 19-21
As
palavras "Fiel e Verdadeiro" [pistós kay alezinós] com respeito a
Cristo (Apoc. 19:11), e ao que estava no trono no capítulo 21:5,
expressam a continuidade entre Apocalipse 19 e 21. Charles H. Giblin
observou três unidades correlacionadas dentro da narração de Apocalipse
19:11-21:8.9
A. A vitória do Rei de reis sobre a besta, o falso profeta e os reis da terra (19:11 -21);B. A vitória sobre Satanás na culminação do milênio (20:1-10);C. O juízo do trono, com a conquista da morte e o sepulcro e o advento da Nova Jerusalém (20:11-21:8).
O centro focal destas divisões é (A) o Armagedom; (B) o reino milenar; e (C) o juízo final em forma sucessiva.
O tema que forma um arco com estas três seções é o Juízo, que revela o
resultado final tanto dos fiéis como dos ímpios (ver Apoc. 19:11; 20:4,
12, 13; 21:7, 8).
Este arranjo literário de Apocalipse
19 a 21 revela quão perigoso é desconectar as visões do milénio de seu
contexto imediato e depois manifestar uma opinião dogmática do milénio
de Apocalipse 20. Pelo contexto sabemos que o juízo de Cristo sobre o
dragão, ou Satanás, terá lugar só depois que ele tenha destruído a
besta, o falso profeta e as multidões às quais levaram por mau caminho
(ver Apoc. 19:19-21; 20:1, 2, 10). Isto significa que a vinda de Cristo
será seguida pela prisão de Satanás no abismo no começo do milénio.
O
ponto crítico aqui é a questão seguinte: O milénio de Apocalipse 20,
apresenta uma recapitulação de toda a história da igreja ou é só a
conclusão do plano de redenção? Para responder esta pergunta vamos
comparar Apocalipse 20 com o capítulo 12, porque o capítulo 12 apresenta
uma narração direta da era da igreja.
Comparação de Apocalipse 12 e 20
As
narrações destes dois capítulos tratam com o dragão e a igreja de
Cristo. Enquanto que o capítulo 12 mostra como atacou o dragão a esposa
de Deus [a igreja], como buscou destruir o Messias, como continuou
guerreando contra os anjos no céu, e finalmente como assalta os santos
na terra, o capítulo 20 inverte completamente este quadro. William H.
Shea resume brevemente este contraste:
"Por outro lado, em Apocalipse
20 se inverte o quadro [de Ap 12]. O capítulo começa com um quadro de
uma derrota inicial do diabo, e termina com um quadro de sua derrota
final. Mas entre estes dois pólos encontramos aos membros vitoriosos da
igreja, especialmente os mártires, a quem o dragão tinha derrotado
previamente em um sentido físico limitado. Agora viveram na ressurreição
e estão reinando com Cristo como sacerdotes para Deus".10
Joel Badina oferece uma comparação mais detalhada:
"Primeiro,
no capítulo 12, Satanás é arrojado do céu à terra, enquanto no capítulo
20 é pacote e arrojado no abismo (20:3). Segundo, no capítulo 12
Satanás é "o enganador de todo o mundo" (12:9), enquanto no capítulo 20
"não pode enganar mais as nações" (20:3). Terceiro, o capítulo 12
descreve os cristãos como mártires expostos à morte (12:11), enquanto no
capítulo 20 está o tempo de sua ressurreição (20:4, 6). O capítulo 12 é
um tempo de maldição (12:12), enquanto o capítulo 20 é um tempo de
bênção (20:6). Por conseguinte é evidente que os capítulos 12 e 20 não
descrevem o mesmo período de tempo, e 20:1 não se projeta para trás, ao
século I, como o faz o capítulo 12:1. Antes, o capítulo 20:1-10 deve
situar-se em forma imediatamente seguinte à era cristã".11
Esta avaliação comparativa de
Apocalipse 12 e 20 leva à conclusão de que o milénio de Apocalipse 20
não recapitula a era da igreja que aparece em Apocalipse 12. O milénio
segue à era cristã. Shea e outros assinalaram que Apocalipse 12 está
colocado dentro das séries históricas do livro (caps. 1-14), enquanto
Apocalipse 20 está colocado dentro do final das séries escatológicas de
juízo (caps. 15-22). Dessa forma, Apocalipse 12 revela a atividade do
diabo na história da igreja, enquanto o Apocalipse 20 revela o juízo que
Deus faz do diabo na consumação final. Esta comparação confirma a
conclusão anterior do contexto imediato de que o milénio segue a
parousia em Apocalipse 19.
Outra indicação da ordem
cronológica de Apocalipse 19 e 20 se encontra na evidência interna da
mesma visão do milénio. Durante os "mil anos" os mártires que rechaçaram
aceitar a marca da besta do tempo do fim e que perderam sua vida (ver
Apoc. 13:15-17; 19:20), voltam de novo para viver e reinam com Cristo
como sacerdotes de Deus:
"Vi também tronos, e nestes
sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. Vi ainda as
almas dos decapitados por causa do testemunho de Jesus, bem como por
causa da palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta, nem
tampouco a sua imagem, e não receberam a marca na fronte e na mão; e
viveram e reinaram com Cristo durante mil anos.... Esta é a primeira
ressurreição. Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira
ressurreição" (Apoc. 20:4-6).
Esta
ressurreição dos santos fiéis tem lugar na segunda vinda de Cristo
(Apoc. 19:11-16). Paulo tinha ensinado que o segundo advento e a
ressurreição dos santos ocorrerão simultaneamente:
"Porque o mesmo Senhor descerá
do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os
que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro" (1 Tes. 4:16).
O enfoque contextual referente a
Apocalipse 20 aponta claramente a um milénio futuro, porque a
ressurreição dos santos terá lugar na segunda vinda, quando os santos
ressuscitados sejam feitos imortais.
Paulo e o Milénio
Paulo
não considerou a ressurreição física de Jesus Cristo como um
acontecimento isolado mas sim como a garantia da ressurreição dos
mortos:
"Mas, de fato, Cristo
ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem.
Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a
ressurreição dos mortos. Porque, assim como, em Adão, todos morrem,
assim também todos serão vivificados em Cristo" (1Cor. 15:20-22).
O apóstolo continua ensinando
que nem todos os mortos ressuscitarão ao mesmo tempo, mas sim haverá uma
certa sequência cronológica no cumprimento das promessas de Deus a
respeito da ressurreição:
"Cada um, porém, por sua própria
ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua
vinda. E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai,
quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e
poder" (1 Cor. 15:23, 24).
As palavras "cada um por sua
própria ordem" [tágma: grupo, classe] indicam que estão incluídas
diferentes classes de pessoas: Cristo, as "primícias", já ressuscitado;
depois [épeita: depois] "os que são de Cristo" serão ressuscitados na
vinda de Cristo (cf. 1 Tes. 4:16, 17; Mat. 24:30, 31).
A distância temporária entre a
ressurreição de Cristo e a de seu povo em seu segundo advento, digamos
2.000 anos mais tarde, não se mencionam, mas está claramente
subentendido. Em outra parte Paulo declara que os santos vivos serão
"transformados" e receberão a imortalidade ao mesmo tempo que os santos
ressuscitados, quer dizer, na parousia (1 Tes. 4:17; 1 Cor. 15:51, 52).
Depois o apóstolo declara que só logo [éita] da ressurreição dos santos
virá o fim [to télos]. Alguns interpretam isto como "o resto da
humanidade",12 porque abrange a todos os que não pertencem a Cristo.
Cristo não entregará o reino a Deus o Pai até depois que tenha destruído
a "todos os seus inimigos" incluindo o último inimigo, a "morte":
"Porque convém que ele reine até
que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a
ser destruído é a morte" (1 Cor. 15:25, 26).
Paulo não menciona um intervalo
de tempo entre a ressurreição dos santos na parousia e o fim quando será
destruída a morte. Entretanto, vários intérpretes reconhecem que "um
segundo intervalo indefinido vai entre a parousia e o fim".13 Paulo
declara que a terceira classe [tágma] de pessoas ressuscitadas,
aparentemente os que não pertencem a Cristo, seguem logo ao segundo
grupo. O transpasse do reino de Cristo ao Pai não terá lugar no segundo
advento, e sim depois da destruição da morte. Quanto a isto, é legítimo
conectar 1 Coríntios 15:23-28 com Apocalipse 20. Ambas as passagens são
parte do cânon das Escrituras e tratam dos mesmos eventos depois do
segundo advento.
As visões de João dos mil anos
ampliam o ensino do Paulo em 1 Coríntios 15. O Apocalipse revela que o
último inimigo do homem. A morte será vencida só depois da destruição de
Satanás no lago de fogo e enxofre no fim do milénio: "E a morte e o
Hades foram lançados ao lago de fogo. Esta é a segunda morte" (Apoc.
20:14).
A
destruição da morte e do Hades é o ato final do reino de Cristo sobre
todos os seus inimigos. Paulo viu este mesmo ato como a culminação de "o
fim" (1 Cor. 15:24, 26). Nas visões de João, a morte será vencida só
depois do milénio, quando tiver sido destruído Satanás (Apoc. 20:10,
14).
Em resumo, concluímos que
enquanto Paulo não ensina explicitamente um reinado milenário de Cristo
depois de seu parousia, abre espaço para uma futura "cristocracia" assim
em 1 Coríntios 15:24.
A Suposta Duração do Reino Messiânico no Judaísmo
Alguns
escritos judaicos apocalípticos anteriores à era cristã contêm a
expectativa de um reino de Deus temporário antes do juízo final e a
criação de um mundo novo. Este período intermediário pacífico não está
conectado com o Messias e sua duração não está especificada claramente
nestes escritos pré-cristãos: "O Apocalipse das semanas" em I Enoc
91:12-17; 93:1-10; Jubileus 23:26-31; Os oráculos sibilinos, livro
3:46-62, 781-784. II Enoc 32 e 33 (ao redor do ano 50 de nossa era)
contêm a passagem mais antiga da literatura judia que indica que o
período intermédio de paz sobre a terra durará mil anos. 14
Durante a segunda metade do
primeiro século de nossa era se fez uma distinção nos escritos rabínicos
entre a era messiânica e a era por vir. Alguns escritos apocalípticos
judeus de perto do fim do século I declaram que o reino messiânico é
temporário e que está conectado com a iminente queda de Roma, por
exemplo, o Apocalipse de Baruc (ou II Baruc 30) e o Apocalipse de IV
Esdras.
O Quarto Livro de Esdras contém a
passagem mais concludente de que o Messias morrerá depois de 400 anos
junto com todos os outros seres humanos. Depois dessa era messiânica,
ocorrerão os seguintes eventos:
"O mundo (presente) voltará ao
silêncio primitivo durante sete dias, tal como tinha estado em sua
primeira origem; deste modo ninguém sobreviverá. depois de (esses) sete
dias, o mundo novo que não foi suscitado ainda despertará e o que é
corruptível será aniquilado. A terra devolverá os que dormem nela, o pó
aos que descansam em seu silêncio; os sepulcros às almas que lhes foram
confiadas. O Altíssimo se revelará (sentado) em seu trono de juízo
(Quarto livro do Esdras 7:30-33)".15
Durante a era cristã os
primitivos rabinos judeus discutiram a idade da era messiânica,
concordando só no ponto de que seria um período limitado entre a era
presente e a era por vir. A lista destes períodos de tempo propostos
flutua de 40 ou 70 anos, de 400 ou 600 anos a 1.000 ou 2.000 anos e até a
7.000 mil anos.16 Aparentemente, não havia uma forma ortodoxa de
opinião.
Entretanto,
alguns estudiosos do apocalipse insistiram em que a história era uma
recapitulação da semana da criação. Assim como Deus tinha trabalhado
seis dias e descansado no sétimo (Gén. 1, 2), assim a história duraria
seis "dias" de mil anos cada um, para ser seguida pelo sábado do reinado
do Messias de mil anos, depois do qual viria um "oitavo dia" sem fim, o
reino eterno (II Enoc 32, 33). Esta idéia anterior ao cristianismo se
repete no cristão de começos do século II, a Epístola de Barnabé 15, e
em outros escritos cristãos posteriores.
Especialmente digna de menção é a
declaração do rabino Eliézer (90 d.C.), quem representou uma tradição
que ensinou que o Messias reinaria por mil anos.17 Esta é a autoridade
rabínica mais antiga que reconhece o período messiânico com uma duração
de 1.000 anos. Por conseguinte, alguns eruditos modernos insistem em que
João quis dizer mil anos literais em Apocalipse 20, porque isto encaixa
bem dentro do pensamento judeu contemporâneo. Entretanto,
Beasley-Murray declara que João desejou indicar primeiramente o caráter
teológico do milénio, "quer dizer, como o sábado da história".18
Embora seja profundamente
significativo interpretar "o sábado de descanso de Deus como um tipo do
reino" e que a "criação prefigura uma nova criação",19 esta
interpretação não deve ofuscar a nova revelação do Apocalipse de João de
que o milénio é uma cristocracia. Portanto, ainda permanece a pergunta
básica: Como se relaciona Apocalipse 20 com os escritos do Antigo
Testamento?
Os Antecedentes do Milénio no Antigo Testamento
Algumas
raízes veterotestamentárias do milénio iluminam nosso entendimento. A
primeira conexão literária com a Bíblia Hebraica é a palavra "abismo",
que se usa duas vezes (Apoc. 20:1, 3) para referir-se à "prisão" (v. 7)
em que o dragão estará encerrado por mil anos. Como um termo por si
mesmo, o termo abismo funciona no Apocalipse (9:1, 2, 11 [cf. Sal.
88:11]; 11:7; 17:8) e em outros lugares do Novo Testamento (Luc. 8:31;
Rom. 10:7) como sinónimo de tumba, morte e destruição, e do cárcere da
"besta" e dos demónios. Quando Cristo expulsou a alguns espíritos
malignos do homem diabólico da Galileia, "rogavam-lhe que não os
mandasse para o abismo" (Luc. 8:31), ou ao reino dos mortos.
Na versão grega do Antigo
Testamento (a LXX) usa-se abismo em Génesis 1:2 para descrever a terra
desabitada antes da semana da criação: "A terra estava desordenada e
vazia, e as trevas estavam sobre a face do abismo [abussos]". Parece que
o Novo Testamento tomou esta descrição pré-histórica de uma terra vazia
e caótica, como seu protótipo para o conceito de abismo como um poço
escuro e como o lugar da prisão dos demónios. Luz adicional sobre o
abismo em Apocalipse 20 provém da perspectiva profética do Jeremias.
"Olhei para a terra, e ei-la sem
forma e vazia; para os céus, e não tinham luz.... Olhei, e eis que não
havia homem nenhum, e todas as aves dos céus haviam fugido. Olhei ainda,
e eis que a terra fértil era um deserto, e todas as suas cidades
estavam derribadas diante do Senhor, diante do furor da sua ira" (Jer.
4:23-26).
Na profecia do Antigo
Testamento, o dia do juízo está caracterizado em geral por uma
perspectiva dupla: o dia de Jeová histórico para uma nação em
particular, e o dia de Jeová do juízo final para todo o mundo. Este
ponto de vista tipológico do reino futuro de Deus que não se preocupa
com as distâncias cronológicas nem pelas distinções étnicas ou
geográficas, apresenta o juízo nacional como um modelo muito pequeno
para o juízo do mundo do tempo do fim. O foco está no mesmo Deus que,
tanto no presente como no futuro, atuará na mesma forma para o juízo e a
salvação. George Ladd resumiu desta maneira esta dupla perspectiva do
panorama profético: "O dia do Senhor histórico está descrito em
contraste com a tela de fundo do dia escatológico do Senhor".20
A visão de Jeremias da futura
devastação da "terra" tem uma dimensão apocalíptica para o juízo final,
quando a devastação da terra e do céu alcançará seu alcance universal.
Naquele dia apocalíptico do juízo, toda a terra voltará a seu estado
primitivo e de novo chegará a ser um abismo: escuro, desordenado e vazio
(ver Jer. 4:23, 28; cf. Gên. 1:2).
Esse dia apocalíptico, como o
Novo Testamento torna claro, é o segundo advento de Cristo (ver 2 Tes.
1:6-9; Apoc. 6:12-17; 19:11-21). Então toda a terra chegará a ser um
grande abismo, a condição da terra por um milénio, um cárcere
exclusivamente para Satanás e seus espíritos demoníacos. De acordo com a
escatologia paulina, o juízo da segunda vinda de Cristo não deixa
pessoa viva sobre a terra. Os santos, seja por ressurreição ou
translação, todos serão levados à casa do Pai (ver João 14:1-3; 1 Tes.
4:16, 17); todos os ímpios jazerão no pó pela glória consumidora da
aparição de Cristo (ver Heb. 10:26, 27; 2 Tes. 1:6-10; 2:8; Apoc.
6:15-17; 16:17-21; 19:21). Se nenhum ser humano permanecer vivo sobre a
terra, é evidente que Satanás, detido no abismo desta terra convertida
em ruínas, está atado por uma "grande cadeia" de circunstâncias que
Cristo mesmo ocasionou com seu segundo advento. Durante o milénio,
Satanás estará guardado "para que não engane mais as nações" (Apoc.
20:3, CI), porque já não pode influir nem nos justos que estão no céu ou
nos ímpios que estão mortos.
Diferença Entre a Experiência do Evangelho e a Realidade Apocalíptica
A
linguagem figurada de Apocalipse 20:1-3 não deve confundir-se com a
realidade da vitória de Cristo sobre Satanás durante seu ministério
terrestre. Parece injustificado identificar a prisão apocalíptica de
Satanás em Apocalipse 20 como o poder do evangelho para "atar" a Satanás
onde quer que o Espírito de Cristo liberta as pessoas de seu domínio
(ver Mat. 12:28, 29). Se a "atadura" de Satanás se levou a cabo quando
Cristo morreu na cruz, como pode Satanás ser solto de sua prisão como se
anuncia em Apocalipse 20:7? Devemos ser muito cuidadosos para não
confundir a obra de Cristo em seu segundo advento com a obra que fez em
seu primeiro advento.
O propósito do Apocalipse de
João não é repetir os quatro Evangelhos que se centram no primeiro
advento de Cristo, mas sim transmitir uma revelação progressiva do
reinado de Cristo que culmina em seu segundo advento. Em Apocalipse 20, o
tempo da atadura de Satanás não só é diferente da dos Evangelhos, mas
também que é diferente sua natureza. Anthony Hoekema declarou que a
atadura de Satanás em Apocalipse 20 significa que a influência de
Satanás "está pelo menos controlada de tal forma que não pode evitar a
propagação do evangelho a todas as nações da terra", e que "as nações
não podem conquistar a igreja, mas sim a igreja está conquistando às
nações".21
Mas esta opinião não respeita a
natureza radical da atadura apocalíptica de Satanás, seu confinamento no
abismo de um mundo em ruínas, "para que não engane mais às nações"
(Apoc. 20:3, CI). Mas minimizar a atadura de Satanás até o ponto de
dizer que o milénio é uma era de desenvolvimento próspero da igreja, não
toma a sério a natureza ilimitada da atadura de Satanás no Apocalipse.
G. C. Berkouwer rechaçou qualquer relativização da atadura de Satanás em
Apocalipse 20.22 Igualmente Robert Mounce vê subentendida "a cessação
completa de sua influência na terra" antes que uma restrição das
atividades de Satanás.23
Permanece
o fato inegável que séculos depois da cruz, Satanás e seus falsos
apóstolos ainda são capazes de enganar o mundo ao cegar as mentes dos
incrédulos ao evangelho (ver 2 Cor. 4:4; 11:13, 14). O diabo ainda
"rodeia como leão a rugir" (ver 1 Ped. 5:8, BJ) e "agora opera nos
filhos de desobediência" (Ef. 2:2). Ainda depois de sua derrota moral na
cruz (ver Col. 2:15) Satanás ainda está enganando com êxito o mundo
(ver 2 Tes. 2:9, o), e está "enganando o mundo inteiro" (ver Apoc. 12:9;
13:14; 19:20). João inclusive escreveu que "o mundo inteiro está no
maligno" (1 João 5:19). A cruz despojou a Satanás de todos os seus
direitos perante Deus, mas não de seu poder para enganar a humanidade.
Só o segundo advento o despojará desse poder, como descrevem as visões
de Apocalipse 19 e 20.
O Milénio Indicado com Antecipação em Duas Profecias Hebraicas
Duas
passagens do Antigo Testamento arrojam luz sobre o significado
apocalíptico do milénio: Isaías 24:21-23 (dentro do apocalipse de
Isaías, caps. 24-27) e Ezequiel 36 a 39.
Isaías descreve o juízo final como abrangendo todo o cosmos e toda a terra:
"Naquele
dia, o Senhor castigará, no céu, as hostes celestes, e os reis da
terra, na terra. Serão ajuntados como presos em masmorra, e encerrados
num cárcere, e castigados depois de muitos dias. A lua se envergonhará, e
o sol se confundirá quando o Senhor dos Exércitos reinar no monte Sião e
em Jerusalém; perante os seus anciãos haverá glória" (Isa. 24:21-23).
Nesta
passagem apocalíptica podem observar-se vários característicos: (1) o
profeta vê o juízo de Deus que dita sentença não só sobre os homens mas
também sobre os anjos, o "no céu, as hostes celestes" (cf. Dan. 10:13,
20; Sal. 82; Ef. 6:12); (2) todos esses poderes rebeldes do céu e da
terra serão "amontoados como presos em masmorra" ("poço", BJ); (3) serão
"amontoados... num cárcere", serão castigados "depois de muitos dias",
quer dizer, depois de um período longo não especificado de
encarceramento. Nestes três aspectos do apocalipse de Isaías não se pode
falhar em observar o conceito germinal do milénio com sua atadura de
Satanás no abismo por mil anos. G. R. Beasley-Murray reconhece que "a
ideia essencial de Apocalipse 19:19-21:3 apresenta breve extensão em
Isaías 24:21 e os versos seguintes".24 Esta conexão de Isaías 24 com o
milénio é amplamente reconhecida pelos comentadores.
Isaías declara que enquanto os
poderes malignos estão presos, toda a terra jaz em um estado de
desolação. "A terra será de todo devastada e totalmente saqueada, porque
o Senhor é quem proferiu esta palavra" (Isa. 24:3; cf. os vs. 19, 20).
Aqui temos de novo o quadro de um abismo universal.
Na visão de Isaías, o juízo
final de Deus compreende várias fases: primeiro os poderes malignos
serão capturados mas não serão castigados imediatamente; ficarão na
prisão "muitos dias". Este juízo preliminar será seguido pelo juízo
final levado a cabo pelo próprio Deus. Os poderes que estão contra Deus
estão simbolizados por uma serpente-dragão de muitas cabeças (ver Isa.
27:1; na LXX, drákon; cf. Sal. 74:13, 14), descobrindo outro elo com o
simbolismo de Apocalipse 20:2.
O
apocalipse de Isaías revela que o juízo cósmico causa a ressurreição dos
mortos do fiel povo do pacto de Deus: "Os vossos mortos e também o meu
cadáver viverão e ressuscitarão... e a terra dará à luz os seus mortos"
(Isa. 26:19). Com o toque de uma "grande trombeta" Deus reunirá "um por
um" os fiéis, para que possam participar do banquete apocalíptico de
Jeová "para todos os povos" sobre o monte santo (ver Isa. 27:12, 13;
25:6-9; 24:23). No Apocalipse de João, este banquete se transforma em "a
ceia de bodas do Cordeiro" (Apoc. 19:6-9), quando a noiva, a igreja de
todas os tempos, unir-se-á para sempre com seu Salvador. Esta festa de
bodas é o característico central do reino milenar de Deus no céu, que
tem lugar depois que os santos mártires voltem à vida na primeira
ressurreição (Apoc. 20:4, 5).
O profeta Ezequiel também fala
dos eventos do tempo do fim na terminologia apocalíptica de períodos
sucessivos. No esquema profético de Ezequiel, Jeová começa a ressuscitar
o povo do novo pacto que está em Babilónia e a restaurar este novo
Israel à terra prometida (ver Ezeq. 36:24-32; 37:1-14). Este fiel Israel
de Deus será governado para sempre pelo Rei messiânico: "Meu servo Davi
será rei sobre eles, e todos eles terão um só pastor" (37:24, 25). A
glória da shekinah estará entre eles para sempre: "Estará em meio deles
meu tabernáculo, e serei a eles por Deus, e eles me serão por povo" (v.
27).
Entretanto, "depois de muitos
dias" (Ezeq. 38:8) de existência pacífica desta teocracia messiânica,
Gogue, o rei de Magogue, o líder das nações confederadas do mundo,
atacará a terra de Israel. O Israel de Deus de maneira nenhuma entrará
em combate. Não precisa fazê-lo porque Jeová será o guerreiro divino que
pelejará nesta guerra santa só com armas de seus depósitos.
"Contenderei com ele por meio da peste e do sangue; chuva inundante,
grandes pedras de saraiva, fogo e enxofre farei cair sobre ele, sobre as
suas tropas e sobre os muitos povos que estiverem com ele. Assim, eu me
engrandecerei, vindicarei a minha santidade e me darei a conhecer aos
olhos de muitas nações; e saberão que eu sou o Senhor" (Ezeq. 38:22, 23;
também 39:6).
Ezequiel colocou a
rebelião final de Gogue depois do reino messiânico que aparece nos
capítulos 36 a 39. Só depois que esta rebelião das forças do mal tenha
sido esmagada pela intervenção divina, será purificada a terra e estará
pronta para a Nova Jerusalém (Ezeq. 40-48). Não é maravilha que G.
Ernest Wright declarasse: "O livro que apresenta o esboço mais claro dos
eventos escatológicos é o de Ezequiel".25
O Apocalipse de João Mostra a Consumação
As
sete visões de juízo de João que se encontram em Apocalipse 19:11 a
21:8 constituem uma unidade independente, modelada segundo o esboço dos
eventos escatológicos de Ezequiel 36-48. A perspectiva apocalíptica de
João descreve o juízo de Deus sobre Babilónia durante a sétima praga
(Apoc. 16-18), que introduz a vinda do Messias como o Guerreiro divino
do céu que destruirá os perseguidores de sua igreja, a "besta", o "falso
profeta" e os "reis de todo o mundo" (Apoc. 19:19-21; também 16:12-21).
Então
Cristo traz a seus fiéis a libertação e a ressurreição dos mortos (ver
Apoc. 20:4), o regozijo da ceia de bodas na Nova Jerusalém no céu (Apoc.
19:6-9; 21:2, 7), e a autoridade de julgar sobre tronos celestiais em
seu reino durante mil anos (20:4). Este reinado milenar terminará com a
descida da Nova Jerusalém do céu à terra. Satanás será solto de seu
abismo, porque agora, ao fim dos mil anos, terá lugar a ressurreição do
resto da humanidade (20:5, 7; cf. João 5:28, 29; 1 Cor. 15:24). Este
acontecimento prepara o cenário para a obra final de engano de Satanás e
o ataque universal dos inimigos de Deus à Nova Jerusalém, "o
acampamento dos santos", de acordo com Apocalipse 20:7-10.
Para indicar a continuidade
básica desta guerra apocalíptica com a da visão de Ezequiel, João
identifica os agentes de Satanás com Gogue e Magogue (Apoc. 20:8). Os
paralelos seguintes mostram como se correspondem os esboços de Ezequiel e
João:
1. A ressurreição de um
Israel espiritualmente morto da tumba de Babilónia para ser um povo do
novo pacto (ver Ezeq. 36:24-28; 37:1-14). João vê a ressurreição das
testemunhas decapitadas de Cristo que recusaram adorar a "besta"
babilónica e a sua "imagem" (Apoc. 20:4).
2. Como a nova teocracia, Israel
vive pacificamente na terra prometida sob o governo do novo Davi, o
Messias (ver Ezeq. 37:1528). João vá os santos ressuscitados reinar com
Cristo por mil anos (Apoc. 20:4-6).
3.
Depois de "muitos dias" o ataque final do norte contra Israel pelos
exércitos de Gogue, rei de Magogue, recebe uma derrota esmagadora por
meio do fogo que desce do céu (Ezeq. 38, 39). João vê que depois do
reinado de mil anos dos santos, os exércitos de "Gogue e Magogue" atacam
o acampamento do povo de Deus, a santa cidade, desde todas as direções,
mas são aniquilados pelo fogo que desce do céu (Apoc. 20:7-9).
4. Ezequiel viu a teofania de
Jeová em uma Nova Jerusalém, que tinha o nome: "O Senhor está ali"
(Ezeq. 48:35, NBE). João vê a Nova Jerusalém descender do céu à terra
como a esposa do Cordeiro (Apoc. 21:1, 2). Então se realizará plenamente
a promessa: "Eis o tabernáculo de Deus com os homens, e com eles
habitará..." (v. 3).
Enquanto que o objetivo
anticristão da guerra apocalíptica é em essência o mesmo tanto em
Ezequiel como em João, podem observar-se modificações que ensinam um
princípio importante de interpretação apocalíptica. As restrições
étnicas e geográficas da linguagem figurada do velho pacto de Ezequiel
("meu povo Israel", "minha terra", Gogue atacará "a terra do Israel", a
teofania estremecedora de Jeová, etc.), tudo isto está transformado pelo
Apocalipse de João em um conflito completamente cristocêntrico. O
Apocalipse de João é um apocalipse cristão caracterizado pela integração
do evangelho nas escatologias do Antigo Testamento. Essa integração
coloca firmemente a Cristo e a seus verdadeiros seguidores no centro de
todas as profecias do Antigo Testamento. Esta é a novidade essencial dos
Evangelhos cristãos e da escatologia do Novo Testamento.
A
perspectiva do tempo do fim do Antigo Testamento é básica para entender
o triunfo do Deus do pacto no conflito entre Deus e Satanás. As
profecias de Israel sobre o castigo divino de todos os poderes rebeldes
recebem seu cumprimento cristológico no Apocalipse de João. O rei de
Israel, "meu servo Davi" (Ezeq. 37:34), chega a ser Cristo, o "Rei dos
reis" (Apoc. 19:16; 22:16). O Israel messiânico escatológico (Ezeq.
37:26-28; 38:11, 12) chega a ser a igreja triunfante de Cristo no reino
de Cristo (Apoc. 20:4). Gogue, o rei de Magogue e seus aliados políticos
(Ezeq. 38:2, 3) chegam a ser o próprio Satanás e seus aliados
terrestres, quer dizer, o resto da humanidade levantada na segunda
ressurreição mas enganada por Satanás para uni-los em uma rebelião
universal contra Cristo (Apoc. 20:7-9; 21:2).
Como a profecia de Ezequiel tem a
mesma ordem de acontecimentos que os capítulos 20 a 22 do Apocalipse,
inferimos que o Apocalipse revela a interpretação cristã da consumação
de Ezequiel 36 a 48, começando com o segundo advento e a ressurreição
dos santos fiéis. Portanto, a visão do milénio de João transmite uma
mensagem para o presente: aos judeus, que Jesus é o Messias verdadeiro e
que sua igreja é a semente verdadeira de Abraão e o Israel messiânico;
aos gentios, que Cristo é o Juiz do mundo; à igreja, que Jesus vindicará
a seus seguidores e os recompensará em seu reino; e a Satanás e seus
anjos, que sua execução é inapelável.
O Significado Teológico do Milénio
João descreve sua visão principal do milénio em três versículos:
"Vi
também tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada
autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados por causa do
testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus, tantos
quantos não adoraram a besta, nem tampouco a sua imagem, e não receberam
a marca na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil
anos. Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os
mil anos. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo é
aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda
morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de
Cristo e reinarão com ele os mil anos" (Apoc. 20:4-6).
É perigosa a tentação a ler
muita teologia preconcebida nesta passagem. Precisamos estar em guarda
contra uma exegese dogmática que encontra um texto que está procurando.
Em primeiro lugar, devemos reconhecer que não há indicação neste texto
de que João está descrevendo um reino sobre os sobreviventes terráqueos
da batalha do Armagedom ou de seus descendentes que supostamente
nasceram durante o milénio. Em realidade, como alguns notaram, "a
passagem [Apoc. 20:1-6] não diz nada a respeito de um reinado terrestre
de Cristo sobre um reino principalmente judeu".26
O cenário da visão que João teve
do reinado milenar dos santos ressuscitados parece estar no céu antes
que na terra como geralmente se supõe. João viu "tronos" sobre os que
estavam sentados aqueles que "receberam autoridade de julgar";
"concedeu-lhes autoridade para julgar" (CI); "encarregando-os de
pronunciar sentença" (NBE).
Leão Morris faz este comentário
importante sobre Apocalipse 20:4: "Ele [João] usa a palavra 'trono' 47
vezes em total, e excepto para o trono de Satanás (Apoc. 2:13) e para o
trono da besta (Apoc. 13:2; 16:10), todos parecem estar no céu. Estaria
de acordo com isto se ele aqui entendeu um reino no céu".27 Anthony
Hoekema reconhece que "o cenário da visão de João agora se mudou para o
céu... os versículos 4-6 representam o que acontece no céu".28 Hoekema
menciona uma característica importante da estrutura de Apocalipse 20:
concretamente, a mudança de cenário da terra ao céu, que é tão comum nas
visões apocalípticas.
William Shea, em um artigo
instrutivo, mostrou como a alternância das dimensões horizontais e
verticais ocorre tanto em Apocalipse 12 como no 20.29 Para ser
específicos, o centro focal de Apocalipse 12 muda da terra (vs. 1-6) ao
céu (vs. 7-12), e depois outra vez à terra (vs. 13-17). Esta pauta
"A-B-A" de cenas consecutivas começa de maneira similar com a terra
(20:1-3), depois muda ao céu (vs. 4-6), e finalmente volta para a terra
(vs. 7-10). Este ponto de vista de um reino milenar celestial é uma
opinião minoritária entre os intérpretes pré-mileritas e está
incorporada nas crenças fundamentais dos adventistas do sétimo dia.30
Em uma visão anterior João viu
deus no trono no céu, e "ao redor do trono havia vinte e quatro tronos; e
vi sentados nos tronos a vinte e quatro anciões, vestidos de roupas
brancas, com coroas de ouro em suas cabeças" (Apoc. 4:4). Esta visão
intrigante de Apocalipse 4 parece sugerir que Deus como presidente do
tribunal comissionou a 24 representantes dentre os santos da terra para
reinar e julgar junto com ele agora (vejam-se os caps. XII e XIII desta
obra). Mas em Apocalipse 20, João vê sentados sobre tronos celestiais os
que sacrificaram suas vidas por causa de sua fidelidade ao "testemunho
do Jesus" e a "a palavra de Deus" (V. 4), especialmente durante a prova
final de fé com respeito à marca da besta (V. 4). Aqui há uma diferença
fundamental entre as duas visões do trono de Apocalipse 4 e 20. Os
tronos de juízo de Apocalipse 20 estão conectados de algum modo à
vindicação dos mártires e seu direito a governar o planeta terra. Mounce
relaciona a cena do trono em Apocalipse 20 ao trono celestial da visão
de Daniel 7:13 e 14. Portanto, sugere que os tronos de Apocalipse 20
representam "um tribunal celestial".31
O elo que une Apocalipse 20 e
Daniel 7 é o tema da vindicação divina dos santos do Altíssimo que foram
oprimidos, e sua recompensa para governar ao mundo. A diferença
fundamental entre as duas cenas de juízo é que na visão de Daniel, os
santos perseguidos são julgados e vindicados pelo juiz divino: "Até que
veio o Ancião de Dias e fez justiça aos santos do Altíssimo; e veio o
tempo em que os santos possuíram o reino" (Dan. 7:22). Entretanto, em
Apocalipse 20, estes santos estão sentados com Cristo sobre tronos
celestiais e recebem autoridade para julgar: "E viveram e reinaram com
Cristo mil anos" (Apoc. 20:4). Aqui há uma clara progressão na história,
e indica que as sessões do tribunal celestial em Daniel 7 e Apocalipse
20 se sucedem uma à outra. Também é evidente o progresso no tempo ao
comparar as "almas" dos que foram decapitados "por causa da palavra de
Deus e o testemunho (do Jesus)" durante o quinto selo (6:9), e que
clamavam pelo santo juízo e a vingança de Deus (v. 10), e as "almas" dos
mesmos mártires que viveram e reinaram com Cristo mil anos em
Apocalipse 20:4. Estes mártires participaram da primeira ressurreição!
Não podemos imaginar uma vindicação maior. A honra que Deus dá de reinar
com Cristo é para os vencedores.
Cristo
já tinha prometido que voltaria e levaria a seus discípulos à casa de
seu Pai no céu (João 14:1-3). Também prometeu que todos os vencedores se
sentariam com ele em seu trono no céu (ver Apoc. 3:21; 15:1-4). Estas
promessas sugerem com força que durante o milénio os santos não estarão
situados em um mundo desolado. Ao contrário, seu reino inclui a
responsabilidade de ter uma parte no reino de Deus e em sua avaliação do
pecado. Esta segurança renovada em Apocalipse 20:4-6 proporciona o
consolo aos santos caluniados de que sua "derrota" e "vergonha" serão
logo invertidas completamente em triunfo pelo tribunal de Deus. Em
realidade, os santos executados ("decapitados") chegarão a ser os juízes
de seus perseguidores.
É significativo que o
Apocalipse, com seu apaixonado desejo de justiça, assegura aos santos
que Deus os ressuscitará à vida eterna e os exaltará durante o milénio
como sacerdotes e reis para atuar como juízes e assessores junto com
Cristo. Todo o consolo para os santos perseguidos se concentra na
bem-aventurança mais significativa do Apocalipse: "Bem-aventurado e
santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição" (Apoc. 20:6).
Não voltarão a morrer nunca mais: "A segunda morte não tem poder sobre
estes" (V. 6).
Deve Aplicar-se Isaías 65 e 66 a um Milénio Sobre a Terra?
Chegou
a ser uma tradição no dispensacionalismo designar Isaías 65 e 66 como o
tempo das "bênçãos mileniais" durante as quais a maldição sobre a terra
"suprime-se só parcialmente, como se indica pela continuidade da
morte".32 Também afirmam que os que nasçam no milénio "não nascerão
isentos de pecado, de maneira que a salvação será necessária",33
enquanto que os que tenham chegado a ser "abertamente rebeldes serão
executados (Isa. 66:20, 24; Zac. 14:16-19)".34
A pressuposição de que Isaías 65
e 66 e promessas similares do reino de Deus devam aplicar-se ao milénio
de Apocalipse 20 fica como uma inferência que não é indispensável e que
não está garantida se se permite que o Novo Testamento defina as
promessas do reino. Isaías deve entender-se à luz do evangelho de
Cristo. O novo pacto tem feito que o antigo seja obsoleto e posto a um
lado (ver Heb. 10:9; 8:13). Esta é uma verdade comprovada de fé cristã!
Declarar que os santos no milénio já não celebrarão mais a ceia do
Senhor mas sim voltarão a oferecer sacrifícios animais em "comemoração"
da cruz de Cristo, não só é o "maior obstáculo",35 e sim um rechaço para
aceitar o testemunho claro da Escritura em Hebreus 8 a 10 com o
propósito de defender um dogma problemático.36
Vistos
na perspectiva do Novo Testamento, os capítulos 65 e 66 de Isaías devem
aceitar-se como a vislumbre antecipada do plano de Deus expressa no
idioma e as limitações do antigo pacto – o culto de sacrifícios de
sangue e oferendas de animais e as leis levíticas –, o que não é a
última palavra de Deus na história da salvação, e que não se deve isolar
do novo pacto de Cristo e da revelação progressiva da vontade de Deus.
Apocalipse 21 e 22 ensinam como
se cumprirá Isaías 65 e 66: seu cumprimento será maior que qualquer
expectativa judaica do antigo pacto. Apocalipse 21 e 22 transformam as
predições de Isaías, e as aplicam ao estado eterno na terra em uma forma
melhor que o que se entendeu antes. Os profetas e o Apocalipse não
representam duas perspectivas diferentes que devem ajustar-se lado a
lado. São uma e a mesma. O Senhor ressuscitado adianta a velha
perspectiva a uma promessa melhor e mais perfeita em que a morte e o
pecado já não são uma parte do reino de Deus e Cristo sobre a terra
feita nova. O cumprimento será maior que uma leitura literal das velhas
promessas: "E do primeiro não haverá memória, nem mais virá ao
pensamento" (Isa. 65:17; também 1 Cor. 2:9). Não existe requisito para
forçar Isaías 65 e 66 em uma forma literalista no milénio de Apocalipse
20. Para uma exposição adicional do Isaías 65 e 66, ver o APÊNDICE B,
primeira parte.
O Juízo Pós-Milénio
Antes
que o diabo e suas hostes sejam aniquilados no "lago de fogo", Deus
vindica seu nome caluniado em uma forma majestosa diante do universo:
por meio das bocas dos ímpios. Chega a sessão final do tribunal para
Satanás e seus seguidores, humanos e angélicos. Agora se declara a
justiça em termos forenses, reconhecem-se o bem e o mal e se estabelecem
para sempre a origem, a natureza e as conseqüências do pecado.
"Vi um grande trono branco e
aquele que nele se assenta, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e
não se achou lugar para eles. Vi também os mortos, os grandes e os
pequenos, postos em pé diante do trono. Então, se abriram livros. Ainda
outro livro, o Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados,
segundo as suas obras, conforme o que se achava escrito nos livros. Deu o
mar os mortos que nele estavam. A morte e o além entregaram os mortos
que neles havia. E foram julgados, um por um, segundo as suas obras.
Então, a morte e o inferno foram lançados para dentro do lago de fogo.
Esta é a segunda morte, o lago de fogo. E, se alguém não foi achado
inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lago de fogo"
(Apoc. 20:11-15).
Esta cena do
tribunal em que o Criador é Juiz, vai além de todas as demais descrições
do juízo final tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento. Os
redimidos que ressuscitaram na primeira ressurreição no começo do
milénio (Apoc. 20:6) ficam isentos deste juízo final do mundo. A
passagem aplica em sua extensão total o que insígnia o Evangelho de
João:
"Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigénito Filho de Deus" (João 3:18).
"Não
vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se acham
nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para
a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a
ressurreição do juízo" (João 5:28, 29).
O juízo pós-milénio trata
exclusivamente com os que rechaçaram definitivamente a Jesus Cristo.
Embora são chamados para dar conta de suas vidas "pelas coisas que
estavam escritas nos livros" (Apoc. 20:12; cf. Isa. 65:6), João
esclarece que o assunto decisivo é sua relação com Cristo. Diz João: "E o
que não se achou inscrito no livro da vida foi arrojado ao lago de
fogo" (Apoc. 20:15; ver também 13:8). João "indica que o único critério
de salvação é o fato de que nosso nome esteja escrito no livro da vida. O
critério decisivo no juízo universal é o de pertencer a Cristo...
portanto, o juízo não pode ser a não ser a revelação universal das
decisões que já foram feitas".37 Ellen White comentou o seguinte:
"O mundo ímpio todo acha-se em
julgamento perante o tribunal de Deus, acusado de alta traição contra o
governo do Céu. Ninguém há para pleitear sua causa; estão sem desculpa; e
a sentença de morte eterna é pronunciada contra eles".38
A sabedoria de Deus, sua justiça
e bondade estão colocadas além de toda dúvida. O caráter de Deus fica
vindicado diante do universo. Todas as criaturas no céu e na terra,
justos ou ímpios, inclinam seus joelhos ante o nome do Jesus e
"confessam que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai" (Fil.
2:10, 11). Isto significa a coroação final do Filho de Deus, que o
exalta "sobre todo nome" (v. 9). Todos os seres vivos no céu e na terra
reiteram a doxologia: "O Cordeiro que foi imolado é digno de tomar o
poder, as riquezas, a sabedoria, a fortaleza, a honra, a glória e o
louvor" (Apoc. 5:12).
Todos estão satisfeitos porque
"seus juízos são verdadeiros e justos" (Apoc. 19:2). Na lei de Israel,
uma testemunha maliciosa que acusava falsamente a um irmão de um delito
era depois "indagado minuciosamente" (Deut. 19:18, BJ), e sentenciado a
receber o castigo que tinha procurado para seu irmão (ver os vs. 19,
20). Uma "investigação completa" tomará lugar no juízo em que atuarão os
santos durante o milénio (ver Apoc. 20:4; 1 Cor. 6:2, 3). Não mais
somente pela fé, mas sim por convicções arraigadas, todos os homens se
unirão ao coro dos anjos: "Certamente, Senhor Deus Todo-poderoso, teus
juízos são verdadeiros e justos" (Apoc. 16:7; também 19:1, 2; 15:3, 4).
Esta opinião "coloca a ênfase
não sobre um reino terrestre de glória para os redimidos, e sim sobre a
vindicação de Deus, a exoneração e a honra de seu nome em toda sua
relação com o problema do pecado".39 O milénio de Apocalipse 20 oferece a
última teodicéia do Criador. Por meio do dom de seu Filho e pelo
sacrifício abnegado de Cristo, o amor e a justiça de Deus permanecem
para sempre como uma união inexpugnável ante toda a criação. Todas as
acusações de Satanás contra o caráter e o governo de Deus ficam
enterradas para sempre.
O reino de Cristo sobre os
inimigos de Deus alcançará este ponto culminante na conclusão do
milénio. Esmagará a cabeça da serpente sob seus pés (Gén. 3:15; Rom.
16:20). Como o arquimentiroso e arque assassino (João 8:44), Satanás
será "arrojado no lago de fogo e enxofre" (Apoc. 20:10). Cristo
extirpará todo o mal do universo, de maneira que "não deixará nem raiz
nem ramo" (Mau. 4.1). Todos os que se identificaram com o pecado
encontrarão seu lugar no "fogo eterno preparado para o diabo e seus
anjos" (Mat. 25:41). "E o que não se achou inscrito no livro da vida foi
arrojado ao lago de fogo". Esta é a segunda morte" (Apoc. 20:15, 14).
O assunto final da salvação ou
condenação é se se está "inscrito no livro da vida do Cordeiro" (Apoc.
21:27). Os que nasceram de cima podem estar absolutamente seguros de ter
este registro divino (ver Luc. 10:20; Filip. 4:2, 3; 3:20; Heb. 12:22,
24). A salvação é um dom de Deus que não está apoiada sobre obras
santificadas e sim somente sobre a obra de Cristo (ver João 3:16; 5:24).
Nossas obras só nos servem como evidência de nossa união com o
Cordeiro. "A fé sem obras é morta" (Tiago 2:26). Nesse tempo, depois do
milénio, realizar-se-á plenamente a perspectiva apocalíptica do Paulo:
"E, então, virá o fim, quando
ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo
principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine
até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a
ser destruído é a morte... Quando, porém, todas as coisas lhe
estiverem sujeitas, então, o próprio Filho também se sujeitará àquele
que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos" (1
Cor. 15:24-26, 28).
Então pode começar a eternidade:
"Novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça" (2 Ped. 3:13;
também Apoc. 21:1; Sal. 115:16). A salvação cristã inclui o paraíso
restaurado sobre a terra como uma realidade universal, social e
política.
Hans K. LaRondelle
Referências
1
Jack S. Deere, "Premillennialism in Revelation 20:4-6" [Premilenialismo
em Apocalipse 20:4-6], Bibliotheca Sacra (Biblioteca Sagrada] 135
(1978), p. 61.
2 Schnackenburg, Rudolf. Gottes Herrschaft und Reich [A Soberania e o Reino de Deus], p. 241.
3 Ladd, El Apocalipsis de Juan: Un comentario, p. 269.
4 Vogelgesang, The Interpretation of Ezekiel in the Book of Revelation, p. 65.
5 Ibid., p. 72.
6 Ibid., P. 69 (ver sua lista comparativa na p. 68).
7 Para uma análise detalhada, ver LaRondelle, Chariots of Salvation. The Biblical Drama of Armageddon, cap. 8.
8 Ver LaRondelle, "The Etymology of HAR-MAGEDON (Rev. 16:16)", AUSS 27 (1989), pp. 69-73.
9 Giblin, The Book of Revelation. The Open Book of Prophecy, p. 177.
10 Shea, Estudios selectos sobre interpretación profética, pp. 46, 47.
11 Badina, "The Millennium", Simpósio sobre o Apocalipse, t. 2, p. 236.
12 Ver Arndt e Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, p. 810.
13 Ladd, Una teología del Nuevo Testamento, p. 559; também a nota 37.
14 Ver Charlesworth, The Old Testament Pseudepigrapha, t. 1, p. 156.
15 Ver Aranda Pérez-García Martínez-Pérez Fernández, Literatura judía intertestamentaria, p. 330.
16
Strack-Billerbeck, Comentario del Nuevo Testamento con el Talmud y la
Midrás, t. 3, pp. 823-827. Resumido em G. Beasley-Murray, Revelation,
pp. 288 e 289, e no J. M. Ford, Revelation, pp. 352 e 353.
17 Strack-Billerbeck, Comentario del Nuevo Testamento con el Talmud y la Midrás, p. 3, P. 827.
18 Beasley-Murray, Revelation, p. 289.
19 Ibid.
20 Ladd, The Presence of the Future, p. 67.
21 Hoekema, The Meaning or the Millennium: Four Views, p. 164.
22 Berkouwer, The Return of Christ, p. 305.
23 Mounce, The Book of Revelation, p. 353.
24 Beasley-Murray, Revelation, p. 286.
25 G. Ernest Wright, Interpreter's Bible Commentary, t. I, p. 372.
26 Hoekema, The Meaning or the Millennium: Four Views, p. 172.
27 Morris, The Revelation of St. John, p. 236.
28 Hoekema, The Bible and the Future, p. 230.
29 Shea, "The Parallel Literary Structure of Revelation 12 and 20", AUSS 23 (1985), pp. 37-54.
30 Ver Creencias de los adventistas del séptimo día, t. 2, cap. 26.
31 Mounce, The Book of Revelation, p. 355.
32 Walvoord, The Millennial Kingdom, pp. 317, 318.
33
J. Dwight Pentecost, Eventos del porvenir (Maracaibo, Venezuela:
Editorial Libertador, 1977; trad. de Luis G. Galdona), p. 371.
34 Walvoord, The Millennial Kingdom, p. 302.
35 Ibid., p. 311.
36 Para uma avaliação e critica extensa, ver LaRondelle, The Israel of God in Prophecy. Principles of Prophetic Interpretation.
37 Rissi, The Future of the World: An Exegetical Study of Revelation 19:11-22:15, pp. 36, 37.
38 Ellen White, GC 668.
39 Badina, em "The Millennium" Simpósio sobre o Apocalipse, t. 2, p. 242.
http://estudoprofecias.blogspot.com.br/2012/06/compreendendo-o-milenio-apocalipse-19-e.html
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