Douglas Davis
As classes políticas e da mídia da Europa
estão se iludindo. Indolentes, ou ignorantes, ou ambos, elas persistem
em fazer a leitura de um roteiro gasto, de 30 anos atrás – que nem à
época era acurado – quando vociferam sobre os assuntos do Oriente Médio.
Como se a “ocupação”, os “assentamentos”, o “túnel”, o “muro” e outras
“questões de crise” fossem a causa de todas as enfermidades do mundo;
como se o nascimento da Palestina significasse a chave para a
tranqüilidade e a paz, talvez até para a utopia.
“Resolva o problema da Palestina e você terá resolvido os problemas do mundo. Ou, pelo menos, da região”. Errado antes, errado agora, de acordo com um importante político árabe. “Não cometa erros”, disse-me ele seriamente à mesa do jantar. “Estamos à beira de uma catástrofe. E ela não tem nada a ver com o conflito israelense-palestino”.
Depois, ele acrescentou:
“É verdade que há sanções contra insultos ao Profeta”, observou Bernard Haykel, um professor de Estudos do Oriente Médio da Universidade Princeton, “mas isto se relaciona, na verdade, a oportunistas políticos ou simbólicos, que usam símbolos religiosos para fazer avançar seu próprio poder ou prestígio entre outros grupos”.
A realidade não é uma competição a respeito de símbolos e poder. O mundo árabe, que tem estado em declínio relativamente ao Ocidente por 300 anos, está a ponto de explodir (os 57 Estados islâmicos são responsáveis por 20% da população mundial, mas por menos de 7% da produção mundial).
Hoje, o Oriente Médio encontra-se à beira de uma erupção mortífera,
que provavelmente varrerá a ordem existente e alterará radicalmente a
ordem regional, com graves implicações estratégicas para o Ocidente.
A região está se despedaçando e está pronta para explodir por causa de suas fronteiras amplamente artificiais ao longo de duas importantes linhas de ruptura, a étnica e a religiosa. Estas emergiram destacadamente depois da queda de Saddam Hussein, do Iraque, em 2003. A divisão étnica é entre os muçulmanos sunitas e xiitas; a divisão religiosa é entre os extremistas islâmicos wahabitas e os movimentos salafistas, ainda mais radicais. As diferenças não são meramente ideológicas; elas são existenciais.
Os conflitos provavelmente envolverão os personagens regionais mais importantes: a Arábia Saudita, o Egito e a Turquia sunitas; o Irã xiita, e, o mais rico de todos, o Qatar pró-salafita, onde o produto interno bruto anual está alcançando mais de 100 mil dólares por pessoa. Os movimentos jihadistas como a al-Qaeda, sem dúvida se intrometerão nessa anarquia numa tentativa de ganhar novos adeptos.
Assim como o comércio mundial ficou globalizado, aconteceu também com a violência islâmica. É improvável que tais conflitos fiquem limitados ao Oriente Médio, mas logo se espalharão para outros países islâmicos na Ásia (principalmente no Paquistão, na Indonésia e na Malásia), e na África (essencialmente nos Estados do Maghreb, a Tunísia, o Marrocos, a Argélia e a Líbia, mas também nos países ao sul do Saara, com significativas populações muçulmanas, como a Nigéria).
Tampouco é provável que os conflitos envolvam batalhas em larga escala entre Estados com exércitos e tanques (embora estes serão, como na Síria, usados contra os “rebeldes”). Em vez disso, eles envolverão o tipo de insurgência que devastou o Iraque, com seres humanos, carros e caminhões-bomba, embates entre comunidades, entre etnias e entre tribos. Tudo resultando em significativos movimentos populacionais, para satisfazer as sempre insistentes exigências dos que promovem a limpeza étnica.
Debaixo de tamanha tensão, as fidelidades se desgastarão e as agências que fazem cumprir a lei – o exército, a polícia e os serviços de inteligência – se fragmentarão. Finalmente, as lideranças burocráticas e políticas se desintegrarão. Já vimos este filme antes. Mas o que temos visto é uma obra em andamento. Até agora, ainda não se testemunhou as cenas finais.
Ninguém está predizendo o resultado; a única certeza é que o jogo final é totalmente incerto. O conflito será prolongado, incontrolável, e não responderá à diplomacia ocidental, não importa quão dura ou cuidadosa ela seja. Não haverá homens de chapéus brancos e de chapéus pretos. Apenas bandidos e ainda mais bandidos.
Este é, de acordo com minha fonte de informações, o panorama
miserável para a região. Mas a instabilidade política no Oriente Médio
também tem parte na agenda política doméstica da Europa e do Ocidente em
geral. No Ocidente – de fato, para o mundo industrializado – o pesadelo
está apenas começando. Duas fontes de preocupação provavelmente terão
alta prioridade na agenda de qualquer insurgência.
A primeira é o fechamento do que é conhecido no transporte marítimo como “chokepoints” [pontos de sufocamento], através dos quais a energia e o comércio devem fluir. No Oriente Médio, estes pontos são principalmente o Golfo Pérsico e o Canal de Suez.
A segunda é um ataque às riquezas da Arábia Saudita pelos separatistas xiitas, que formam o grupo dominante na região leste do país, onde se localizam os campos de petróleo (os xiitas sauditas podem esperar assistência vinda dos xiitas do lado de lá da fronteira, da região do Iraque, que é rica em petróleo).
O resultado líquido desses eventos será um pico agudo e prolongado no preço do petróleo, com severas consequências para os preços de quase todos os produtos. Também haverá uma severa escassez de petróleo até que o “chokepoint” do Golfo possa ser desbloqueado.
Além disso, o fechamento do Canal de Suez – um curso de água navegável que tem menos de 250 metros de largura e que liga o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho – forçará os navios a fazerem a viagem muito mais longa entre a Europa e a Ásia, em torno do Cabo, aumentando o efeito sobre os preços de importações e exportações.
Haverá outras consequências para o Ocidente, especialmente para países como a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha, que são o lar de grandes populações de muçulmanos, que não estarão imunes às erupções de violência. Isto levará a outras medidas de segurança e maiores erosões das tradições democráticas, tais como a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
A Primavera Árabe, que tem sido aclamada – erradamente – no Ocidente como algo que está sinalizando o nascimento da democracia no Oriente Médio, mais provavelmente é o prelúdio de uma convulsão regional e global. Se assim for, está na hora de nos preparamos para mudanças memoráveis.
(Douglas Davis – thecommentator.com – beth-shalom.com.br)
Douglas Davis foi editor-sênior do jornal The Jerusalem Post.
“Resolva o problema da Palestina e você terá resolvido os problemas do mundo. Ou, pelo menos, da região”. Errado antes, errado agora, de acordo com um importante político árabe. “Não cometa erros”, disse-me ele seriamente à mesa do jantar. “Estamos à beira de uma catástrofe. E ela não tem nada a ver com o conflito israelense-palestino”.
Depois, ele acrescentou:
“Os palestinos nunca estiveram entre as dez prioridades de nenhum governo árabe. Os líderes árabes não dão a mínima para os palestinos. Eles têm simplesmente usado a questão palestina para desviar a atenção de seus próprios fracassos – para encobrir sua incompetência, suas insuficiências e sua corrupção. Suas medidas de segurança opressivas nunca tiveram a intenção de combater a “agressão sionista”, mas de suprimir a raiva de seu próprio povo. Tem sido um exercício de cinismo, pura e simplesmente. E até mesmo os governos ocidentais engolem isso”.Agora, diz ele, o mundo árabe – e o mundo islâmico mais amplo – está enfrentando a realidade. É uma realidade que não tem nada a ver com a Primavera Árabe, a democracia, a autonomia e a liberdade. Tampouco tem algo a ver com a violência carregada de ódio supostamente incitada pelo conflito israelense-palestino, teorias de conspiração sobre o imperialismo ocidental, tráfico de influência dos judeus, agressões dos cruzados, charges com insultos, ou vídeos do YouTube (embora esses pretextos sejam freqüentemente usados para justificar espasmos de violência pré-planejados).
“É verdade que há sanções contra insultos ao Profeta”, observou Bernard Haykel, um professor de Estudos do Oriente Médio da Universidade Princeton, “mas isto se relaciona, na verdade, a oportunistas políticos ou simbólicos, que usam símbolos religiosos para fazer avançar seu próprio poder ou prestígio entre outros grupos”.
A realidade não é uma competição a respeito de símbolos e poder. O mundo árabe, que tem estado em declínio relativamente ao Ocidente por 300 anos, está a ponto de explodir (os 57 Estados islâmicos são responsáveis por 20% da população mundial, mas por menos de 7% da produção mundial).
Os 57 Estados islâmicos são responsáveis por 20% da população mundial, mas por menos de 7% da produção mundial.
A região está se despedaçando e está pronta para explodir por causa de suas fronteiras amplamente artificiais ao longo de duas importantes linhas de ruptura, a étnica e a religiosa. Estas emergiram destacadamente depois da queda de Saddam Hussein, do Iraque, em 2003. A divisão étnica é entre os muçulmanos sunitas e xiitas; a divisão religiosa é entre os extremistas islâmicos wahabitas e os movimentos salafistas, ainda mais radicais. As diferenças não são meramente ideológicas; elas são existenciais.
Os conflitos provavelmente envolverão os personagens regionais mais importantes: a Arábia Saudita, o Egito e a Turquia sunitas; o Irã xiita, e, o mais rico de todos, o Qatar pró-salafita, onde o produto interno bruto anual está alcançando mais de 100 mil dólares por pessoa. Os movimentos jihadistas como a al-Qaeda, sem dúvida se intrometerão nessa anarquia numa tentativa de ganhar novos adeptos.
Assim como o comércio mundial ficou globalizado, aconteceu também com a violência islâmica. É improvável que tais conflitos fiquem limitados ao Oriente Médio, mas logo se espalharão para outros países islâmicos na Ásia (principalmente no Paquistão, na Indonésia e na Malásia), e na África (essencialmente nos Estados do Maghreb, a Tunísia, o Marrocos, a Argélia e a Líbia, mas também nos países ao sul do Saara, com significativas populações muçulmanas, como a Nigéria).
Tampouco é provável que os conflitos envolvam batalhas em larga escala entre Estados com exércitos e tanques (embora estes serão, como na Síria, usados contra os “rebeldes”). Em vez disso, eles envolverão o tipo de insurgência que devastou o Iraque, com seres humanos, carros e caminhões-bomba, embates entre comunidades, entre etnias e entre tribos. Tudo resultando em significativos movimentos populacionais, para satisfazer as sempre insistentes exigências dos que promovem a limpeza étnica.
Debaixo de tamanha tensão, as fidelidades se desgastarão e as agências que fazem cumprir a lei – o exército, a polícia e os serviços de inteligência – se fragmentarão. Finalmente, as lideranças burocráticas e políticas se desintegrarão. Já vimos este filme antes. Mas o que temos visto é uma obra em andamento. Até agora, ainda não se testemunhou as cenas finais.
Ninguém está predizendo o resultado; a única certeza é que o jogo final é totalmente incerto. O conflito será prolongado, incontrolável, e não responderá à diplomacia ocidental, não importa quão dura ou cuidadosa ela seja. Não haverá homens de chapéus brancos e de chapéus pretos. Apenas bandidos e ainda mais bandidos.
O conflito será prolongado, incontrolável, e não responderá à diplomacia ocidental.
A primeira é o fechamento do que é conhecido no transporte marítimo como “chokepoints” [pontos de sufocamento], através dos quais a energia e o comércio devem fluir. No Oriente Médio, estes pontos são principalmente o Golfo Pérsico e o Canal de Suez.
A segunda é um ataque às riquezas da Arábia Saudita pelos separatistas xiitas, que formam o grupo dominante na região leste do país, onde se localizam os campos de petróleo (os xiitas sauditas podem esperar assistência vinda dos xiitas do lado de lá da fronteira, da região do Iraque, que é rica em petróleo).
O resultado líquido desses eventos será um pico agudo e prolongado no preço do petróleo, com severas consequências para os preços de quase todos os produtos. Também haverá uma severa escassez de petróleo até que o “chokepoint” do Golfo possa ser desbloqueado.
Além disso, o fechamento do Canal de Suez – um curso de água navegável que tem menos de 250 metros de largura e que liga o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho – forçará os navios a fazerem a viagem muito mais longa entre a Europa e a Ásia, em torno do Cabo, aumentando o efeito sobre os preços de importações e exportações.
Haverá outras consequências para o Ocidente, especialmente para países como a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha, que são o lar de grandes populações de muçulmanos, que não estarão imunes às erupções de violência. Isto levará a outras medidas de segurança e maiores erosões das tradições democráticas, tais como a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
A Primavera Árabe, que tem sido aclamada – erradamente – no Ocidente como algo que está sinalizando o nascimento da democracia no Oriente Médio, mais provavelmente é o prelúdio de uma convulsão regional e global. Se assim for, está na hora de nos preparamos para mudanças memoráveis.
(Douglas Davis – thecommentator.com – beth-shalom.com.br)
Douglas Davis foi editor-sênior do jornal The Jerusalem Post.
Extraído de Revista Notícias de Israel Fevereiro de 2013
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